Investimento sustentável amadurece e ganha tração com liderança do capital privado

Depois de anos marcados por grandes promessas políticas e metas climáticas ambiciosas, o investimento sustentável entra em uma nova fase. Menos retórica, mais pragmatismo. A avaliação é do banco suíço Lombard Odier, em análise assinada por Sophie Chardon, líder de Investimentos Sustentáveis do private bank do grupo. Segundo o relatório, 2025 foi um ano difícil para a agenda global de sustentabilidade, mas positivo para o investimento sustentável, que apresenta sinais claros de maturidade. A tese é que, em um cenário de fragmentação regulatória e menor coordenação global, especialmente após mudanças na política climática dos Estados Unidos, o capital privado começa a ocupar um espaço central na condução da transição sustentável.

A chegada de Donald Trump à Casa Branca trouxe impactos diretos. Os Estados Unidos se retiraram novamente do Acordo de Paris, reduziram o alcance da Inflation Reduction Act , pacote de medidas que visavam promover a transição verde, e eliminaram incentivos importantes à energia limpa. Na Europa, o Parlamento Europeu reduziu o escopo das exigências de divulgação corporativa em sustentabilidade e revisou regras do Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR), em resposta a críticas sobre a complexidade excessiva. Até mesmo avanços esperados em setores difíceis de descarbonizar ficaram pelo caminho: a Organização Marítima Internacional adiou a votação sobre um imposto global de carbono para o transporte marítimo.

Ainda assim, os custos da inação climática seguem aumentando. Apenas no primeiro semestre de 2025, eventos climáticos extremos causaram US$ 101,4 bilhões em prejuízos nos Estados Unidos, o maior valor já registrado para esse período.

Diante desse contexto, o mercado de finanças sustentáveis mostrou resiliência. De acordo com dados da Morningstar citados no relatório, os ativos globais sob gestão em estratégias sustentáveis chegaram a US$ 3,7 trilhões até setembro de 2025. Para a Lombard Odier, isso reflete uma mudança importante: a sustentabilidade deixa de ser vista apenas como obrigação regulatória e passa a ser tratada como vetor de crescimento, eficiência econômica e resiliência.

Menos política, mais resultado

Os autores ressaltam no documento que, após anos em que o foco esteve na mitigação de emissões e em políticas públicas, a agenda começa a se deslocar para adaptação climática, segurança energética e alimentar. Não se trata, segundo o banco, de um recuo da ambição, mas de uma recalibração. Empresas e investidores estão priorizando projetos financeiramente robustos, com modelos escaláveis e capacidade real de gerar retorno.

Esse movimento também aparece no comportamento dos mercados. Depois de um período de fraco desempenho de ações ligadas à tecnologia limpa entre 2022 e 2023 — impactadas pela alta dos juros —, alguns fundos temáticos voltaram a superar benchmarks tradicionais em 2025, especialmente em áreas como eletrificação e energias renováveis.

Temas ligados à água e à natureza também tiveram bom desempenho no primeiro semestre do ano, beneficiados por um posicionamento mais defensivo, mas perderam fôlego na segunda metade do ano, pressionados por uma perspectiva mais fraca para o setor de materiais. A biotecnologia, por sua vez, mostrou sinais de recuperação no último trimestre.

“Os investidores voltam a concentrar atenção na robustez financeira e no crescimento, à medida que o custo de capital se normaliza. Empresas com modelos escaláveis e resilientes vêm se mostrando mais competitivas nesse ambiente em transformação”, apontsm os especialistas no relatório.

Para eles, é possível identificar um reposicionamento estratégico, no qual a sustentabilidade deixa de ser percebida como custo ou ônus regulatório e passa a ser vista como catalisadora de crescimento econômico, segurança energética e alimentar e alívio do custo de vida.

“O que se observa não é um recuo da ambição, mas uma recalibração em direção a ações que entregam resultados e se alinham às necessidades regionais, seja em segurança energética e alimentar ou em bem-estar social”, apontam.

Esse movimento permite que formuladores de políticas públicas, investidores e empresas foquem em estratégias comprovadas, fortaleçam a resiliência e destravem novas fontes de valor. À medida que o setor privado assume um papel cada vez mais central, a transição para uma economia neutra em carbono, positiva para a natureza, inclusiva e digitalmente habilitada torna-se mais regional, mais pragmática — e mais orientada por oportunidades.

Oportunidades de investimentos

Os fundamentos da transição para uma economia de baixo carbono seguem sólidos. A China liderou os investimentos globais e já tem 46% de sua capacidade de geração elétrica baseada em fontes renováveis. Mesmo os Estados Unidos investiram US$ 136 bilhões em soluções de energia limpa no primeiro semestre.

Segundo a consultoria Systemiq, citada no relatório, o mundo está próximo de atingir pontos de inflexão econômicos para escalar soluções de descarbonização que cobrem 40% das emissões globais. A partir desses pontos, tecnologias limpas tendem a escalar rapidamente, tornando-se mais baratas do que alternativas fósseis. Até 2035, esse potencial pode chegar a 75%.

Para os especialistas do Lombard Odier, o momento marca uma virada. Com menor coordenação política global, a transição para uma economia neutra em carbono, positiva para a natureza e mais inclusiva passa a ser mais regional, mais pragmática e mais orientada por oportunidades de investimento.

“O capital privado está assumindo um papel cada vez mais relevante”, aponta o relatório. Em vez de depender exclusivamente de políticas públicas, investidores e empresas passam a moldar a transição com foco em eficiência, resiliência e retorno financeiro — sinal de que o investimento sustentável deixou de ser nicho e entrou, de vez, na agenda central dos mercados.

Entre as principais oportunidades de investimento, o Lombard Odier destaca empresas ligadas à expansão de data centers e inteligência artificial, além de baterias, água e saúde, áreas que ganham protagonismo à medida que a agenda da sustentabilidade avança para uma fase mais pragmática. Segundo o banco suíço, os vetores estruturais da transição para uma economia de baixo carbono seguem sólidos, impulsionados pelo aumento da demanda por eletricidade, pelos efeitos das mudanças climáticas e pelo envelhecimento da infraestrutura.

A rápida expansão da inteligência artificial surge como um acelerador da transição energética. A projeção é que os data centers mais que dobrem seu consumo de eletricidade até 2030, superando 1.000 terawatts-hora, volume maior que o consumo atual do Japão. Nos Estados Unidos, eles já respondem por quase metade do crescimento da demanda elétrica . Esse avanço abre espaço para oportunidades em segmentos menos visíveis, mas estratégicos, como fabricantes de transformadores, cabos, painéis elétricos e outros equipamentos de rede, essenciais para um sistema elétrico mais interconectado e capaz de lidar com a intermitência das fontes renováveis.

Gargalos de oferta reforçam o apelo desses setores, com filas de espera de até cinco anos para cabos de transmissão e de até quatro anos para transformadores, garantindo maior previsibilidade de receitas e margens.

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